2º Carta aos Vereadores de Nova Lima
20:34
31/12/2015
1- Prezado
Vereador (X),
Diante da
importância da Câmara nos assuntos de relevância da cidade de Nova Lima,
gostaria de sugeri-lo a tomada de
iniciativa para a resolução de um grave problema que acontece com
frequência na rua da praça Coronel Aristides, nº 100, Centro, mas que
aparentemente é invisível ou simplesmente tem sido negligenciado pelas
autoridades do Estado de Minas Gerais e também da nossa cidade: a condição precária e vexatória de familiares
que visitam os cidadãos detidos provisoriamente no Presídio de Nova Lima e
o inequívoco desrespeito ao princípio Constitucional da Individualização da
Pena no trato a esses visitantes.
Todos os dias de visita no Presídio
fácil é identificarmos essa violação. Em sua maioria formada por mães, esposas, namoradas e crianças
pequenas que vão visitar os seus
pais, a falta de uma sala de recepção suficientemente digna e adequada
agrava não somente as condições psicológicas dessas pessoas que por si só
já são demasiadamente afetadas ao terem que passar pelo desafio de encontrar
parte de sua família trancada em uma cela, mas
também afeta suas condições físicas,
pois, relegadas à própria sorte, várias famílias estão esquecidas nas calçadas, expostas ao sol ou à chuva, sem nenhum tipo de abrigo e cadeiras para que
pelo menos os idosos e mulheres com crianças no colo possam se assentar
enquanto esperam a abertura do portão. Além disso, de maneira injusta essas pessoas cotidianamente ainda são obrigadas
a conviverem com o "olhar curioso",
repreensivo, dos muitos transeuntes
que passam próximo ao local.
O princípio da Individualização da
Pena é tão essencial ao Estado democrático e de direito brasileiro que não por acaso foi escolhido pelos
constituintes, em 1988, como um direito Individual Fundamental da Constituição da nossa República:
Art.5º, inciso XLV, CRFB:
"NENHUMA
PENA PASSARÁ DA PESSOA DO CONDENADO, podendo a obrigação de reparar o
dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas
aos sucessores e contra eles executadas, até
o limite do valor do patrimônio
transferido;"
Infelizmente,
porém, raros não são os exemplos de infração não apenas aos direitos daquelas
pessoas que estão temporariamente privadas de sua liberdade nos presídios e
cadeias do nosso país, mas também aos direitos de seus familiares, que absolutamente
nada têm nada a ver com a sentença proferida pelo juiz.
No Brasil, a falta de condições dignas
desde a existência de uma sala de recepção adequada (como em Nova Lima) até à prática de revistas vexatórias às pessoas
que visitam parentes na cadeia tão
somente contribuem para a humilhação de familiares, que, mesmo nas
adversidades, mantêm-se firmes diante da ingerência por parte das nossas
autoridades e preconceitos da nossa sociedade com relação à população carcerária
e as suas famílias.
Prezado Vereador Silvânio: não podemos compactuar com essa realidade
de submissão e de desrespeito à
Constituição da República que tem sido praticada contra dezenas de famílias da
nossa cidade e de toda a região nos dias de visita no Presídio de Nova Lima.
Tal cenário de subjugação precisa ser repudiado não somente porque seria
inaceitável em qualquer outra cidade de país democrático do mundo, mas especialmente porque tem ocorrido em
uma cidade como Nova Lima, que está à frente do sistema carcerário de
todo o país no quesito capacidade de recuperação de pessoas através de
projetos inovadores como a APAC, que são referência para o mundo todo no quesito respeito e reinserção social
do ser humano. Dessa forma, além de vivermos num Estado Democrático e de
Direito, que necessariamente deve respeitar os direitos fundamentais não por acaso indicados em sua Constituição
da República, não podemos continuar compactuando com o tratamento ilegal que tem sido prestado
pelo Presídio de Nova Lima nos dias de visita, tratamento diametralmente oposto ao serviço de qualidade prestado
por iniciativas como a APAC.
Como autoridade e representante do povo
nova-limense, portanto, convido-lhe a tomar parte nesta situação por meio de
medidas efetivas a fim de mudarmos essa inconcebível realidade de violação a
direitos fundamentais praticada em nossa cidade.
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Figura 2 Sem uma sala de recepção adequada, a calçada que os visitantes se assentam são as mesmas reservadas á coleta de lixo. |
2- O que e com
base em que fazer?
Embora administrativamente o presídio de Nova
Lima se sujeite às normas estaduais, o
seu contato direto com o público deve se adequar também às normas municipais da nossa cidade. O presídio,
como qualquer outro estabelecimento no
perímetro de Nova Lima, deve satisfazer a legislação municipal, no que couber,
para o seu pleno funcionamento em relação ao contato com o público. Não
fundamento tal dever apenas com base "no que eu penso que deveria
ser", mas com base no artigo que estabelece a competência dos municípios
na Constituição da República de 1988, ao dispor que é da competência do
Município:
"Art.30,
inciso I - legislar sobre assuntos de interesse local."
Diante do tratamento
ilegal e injustificado que os cidadãos de Nova Lima e região têm
recebido nos dias de visita ao presídio da cidade, pergunto-lhe, prezado
Vereador: "que outro assunto poderia ser de maior interesse aos
nova-limenses do que legislar em prol da garantia de direitos fundamentais,
como o da individualização da pena, aos visitantes do presídio da cidade?
Que outro assunto poderia ser de maior interesse local do que legislar
em prol da defesa de direitos constitucionais como a saúde (Art.6º,CRFB),
em sua integralidade física e
psíquica, de nova-limenses sentados e
esquecidos em calçadas, debaixo de
sol quente, chuva, na porta de uma prisão?? Que outro assunto poderia ser
considerado de maior interesse local do que adequar o funcionamento e a
maneira de lidar com o público de um presídio que possui jurisdição sobre TRÊS CIDADES,
mas não oferece nem mesmo um abrigo para que familiares, que tão somente precisam de ajuda em um momento tão difícil como esse,
possam encontrar dignamente parte de sua família em um presídio?
Prezado Vereador: solicito que o senhor, através do poder que nós, nova-limenses,
outorgamos-lhe no pleito de 2012, requeira
mudanças por parte das autoridades competentes do presídio de Nova Lima.
Solicito que o senhor exponha essa situação insustentável do povo nos dias de
visita e aponte a necessidade de uma sala de espera para a garantia de tratamento adequado a
essas pessoas que nada devem nada à sociedade, tampouco ao Estado de Minas
Gerais. Apesar dessa situação insustável, acredito que seja possível
que as autoridades competentes, apesar de terem visto, possam não ter percebido essa situação de violação a
direitos fundamentais. Diante disso, sugiro-lhe uma carta, sugiro-lhe
que o senhor dialogue com as autoridades competentes para que elas resolvam o
problema de maneira autônoma.
Porém,
caso o problema não seja celeremente e eficientemente resolvido pelas autoridades
responsáveis após requerimento do senhor,
sugiro-lhe que, por meio da Câmara Municipal, o senhor faça valer o legítimo poder
de representante do povo nova-limense a
partir do próprio dispositivo que normatiza constitucionalmente a competência
dos municípios brasileiros em legislar sobre "os assuntos de
interesse local" (Art. 30, CRFB). Caso
as autoridades do Presídio se mantenham inertes, outra alternativa não
haverá senão a aprovação de projeto de lei pela Câmara obrigando-a a
cumprir o seu dever de individualização
da pena, além da garantia do
direito á saúde, em sua integralidade psicológica e física, de seus visitantes.
A criação de uma sala de espera
e a oferta de recepção adequada sem nenhuma dúvida é um assunto de interesse local não somente do nosso
município, mas também de toda a região, o que, por si só, legitima a
atuação dos nossos Vereadores. A Câmara Municipal de Nova Lima é um órgão autônomo e consolidado, ao que todos nós sabemos e acreditamos. Por
isso, para que não perca o seu prestígio, conto com a atuação do senhor e dos
demais representantes da nossa cidade para que o interesse do povo não fique
relegado em segundo plano, já que a
existência de uma sala de recepção adequada num Presídio não é um favor que
pode ser prestado pelo Estado, mas sim um direito de todos os brasileiros.
3- INTERVENÇÃO
ANÁLOGA BEM SUCEDIDA DO LEGISLATIVO MUNICIPAL NA RELAÇÃO ENTRE ESTABELECIMENTO
E POVO
A exemplo de projeto de lei que a
Câmara Municipal de Nova Lima tem a competência para aprovar caso as
autoridades responsáveis pelo Presídio se mantenham inertes diante do
requerimento do senhor, a seguir aponto uma célebre Jurisprudência dos
tribunais brasileiros em que a competência do Município para legislar sobre
assuntos de interesse local foi consolidada em relação ao trato de
Instituições Financeiras aos munícipes. Tal Jurisprudência é a decisão da
Ministra do Superior Tribunal de Justiça -STJ- Eliana Calmom sobre "a
obrigatoriedade de instalação de bebedouros, sanitários e assentos
nos estabelecimentos bancários". Na decisão, embora houve entendimento
por parte da Ministra de que "a regulação do sistema financeiro é da
competência da União", essa competência exclusiva Federal não
inibe os Municípios de legislar sobre os serviços do sistema
bancário com o propósito de proporcionar ao usuário devida segurança e
conforto.
Como relatou a
Ministra em seu voto:
“Não se trata de legislar sobre
controle da moeda, política de câmbio, crédito, transferência de valores ou
mesmo sobre a organização, funcionamento e atribuições das instituições
financeiras, mas tão somente a respeito de regras direcionadas ao melhor
atendimento ao usuário”, Eliana Calmom - STJ.
Analogamente
assim também o é com relação ao melhor atendimento ao usuário que
DEVE ser prestado pelo atendimento do Presídio de Nova Lima. Não
se trata de a Câmara legislar sobre a conveniência, ou não, de um Presídio ou
sua estrutura de funcionamento em nossa Comarca: trata-se tão somente de legislar
em prol do direito dos visitantes ao melhor tratamento
ao usuário em respeito à sua segurança, conforto e atendimento
suficientemente digno e adequado.
Portanto, solicito que o senhor, Prezado
Vereador (X), tome parte nessa situação e desde já lhe convido a passar próximo
à fila que se forma todos os dias de visita na calçada do Presídio, para também
ouvir por parte das dezenas de famílias que estarão na calçada, de baixo de sol
forte, ou chuva, o que elas têm a dizer sobre o problema.
Faz-se necessária a tomada de atitude
urgentemente. Não podemos mais consentirmos calados com essa situação nem mais
um minuto. Conto com o seu eficiente trabalho na Câmara.
Att;
Luccas Renato Silva de Souza
Luccas Renato Silva de Souza