No Brasil, a justiça é cega, tardia e falha. Não quero dizer que eu não acredite que não haja justiça em algumas das sentenças julgadas em nosso país, mas sim que, analisando-se os julgados em sua maioria, o que acredito é que há uma grande supremacia da injustiça na maioria das nossas decisões.
O
justo no nosso país cada vez mais se mostra tão raro e restrito a um seleto
grupo de pessoas que sem dúvidas podemos considerá-lo uma injustiça. Nos países
considerados civilizados, sob a influência grego-romana, a deusa justiça
aparece de olhos vendados em alusão à sua neutralidade e imparcialidade
mediante a consideração de todos os cidadãos iguais perante a lei. Contudo, no
Brasil, “civilizado” ou não, no dia a dia o que vemos é a inoperância e
deficiência do poder Judiciário no trato aos cidadãos que possuem bons
advogados e os que estão simplesmente à mercê do ordenamento jurídico,
principalmente quando o assunto é execução penal.
A
ação penal 470, “O Mensalão”, hoje à tarde, pode se tornar mais um fiel exemplo
dessa situação. Com a infinidade de recursos e possibilidades para se postergar
a decisão dos magistrados, hoje poderemos entender que o Supremo não é tão
Supremo assim. Após os últimos nove anos destinados à coleta de provas e
julgamentos, de trocas de ministros do STF durante esse período, a infinidade
de recursos que somente uma minoria da população tem a possibilidade de apelar
pode simplesmente anular e recomeçar do zero o julgamento para doze dos vinte e
quatro condenados, mediante aceitação ou não dos chamados embargos infringentes
pelos ministros.
O
contraste da nossa justiça é cada vez mais evidente. Isso, tanto no momento do
julgamento quanto no cumprimento das penas, às quais, de maneira recorrente,
casos de pessoas que deveriam estar soltas após devido cumprimento de suas
penas, estão simplesmente esquecidas dentro do nosso arcabouço carcerário.
Desde
2008, mutirões carcerários, organizados pelo Conselho Nacional de Justiça,
identificaram mais de 45 mil irregularidades no cumprimento das penas dentro
dos nossos presídios. De pessoas que há muitos anos poderiam cumprir o restante
de suas penas sob regime semiaberto a pessoas que pagaram sua dívida com a
sociedade e deveriam estar soltas a mais de 24 anos, como caso recém descoberto
de um senhor no Ceará de aproximadamente 80 anos de idade, que deveria ter sido solto em 1989,
mas ainda em 2013 fora encontrado num instituto psiquiátrico para criminosos no
Ceará.
Em
relação ao caso “Mensalão”, por exemplo, não há dúvidas de que nenhum dos
condenados, caso um dia tenham de cumprir de falto suas penas, não passarão
sequer um dia a mais num presídio. Pois amplamente protegidos por seus
caríssimos advogados, utilizam-se das minúcias e até contradições do nosso
sistema jurídico para serem defendidos.
Muito
além da crítica à não igualdade de condições para todos perante às leis critico
também a maneira como as leis estão postas em nosso Direito em relação à sua
execução. De forma alguma sou contra princípios fundamentais do nosso Direito,
como o devido processo legal, por exemplo, que garante a possibilidade de
recursos e de tempo considerável para análise das provas no intuito de que as
decisões dos magistrados sejam as menos arbitrárias possíveis.
No
entanto, é preciso não só que busquemos estender tais direitos a todos os
brasileiros, mas também não nos olvidemos do compromisso com a decidibilidade dos nossos tribunais e não
permitamos que os recursos utilizados nas sentenças sejam utilizados meramente
como artifícios, com o objetivo de dar infinidade ao processo, não à busca pela
justiça.
Que
o significado de justiça é multívoco e que há a possibilidade de que haja
muitas concepções acerca do vocábulo em nosso país não tenho dúvidas. Mas
também acredito que todos nós, cidadãos brasileiros, convergimos em muitos
desses sentidos e não vejo outra alternativa para a nossa sociedade senão requerermos
reformas estruturais e éticas nos poderes Judiciário e Legislativo, que
impossibilitem a manipulação do aparato público em prol de uma minoria que se
julga acima das leis e da sua aplicação. Infelizmente, possibilidade existente hoje,
mais uma vez, na análise do embargos infringentes pelo STF. ![]() |
Imagem:www1.folha.uol.com.br/ Homem de aproximadamente 80 anos permanece em instituto que abriga infratores após pena ser extinta em 1989 |